domingo, 18 de agosto de 2013

Escadas da vida




Era domingo, o dia santo. O dia em que não fazemos nada além de aproveitar nossa própria preguiça. O dia estava chuvoso, então eles decidiram ir ao shopping. Eles só queriam dar uma volta... Talvez até comer um pedaço de bolo. A única certeza que eles tinham era essa: queriam ser namorados. Ele tinha tanta certeza disso ao olhar ao seu namorado. Era o tipo de certeza que só quem sabe o tanto de amor que existe em uma relação consegue ter. E é verdade que seu namorado era lindo... Mas era mais que isso. Eles estavam unidos pelo toque de sua pele. Suas mãos quentes se encaixavam perfeitamente. Era amor. Tão simples e complicado como só o amor pode ser.
Seu namorado queria comer o tal bolo. Que tal chocolate? Ele escolheu um pedaço bem grande e bonito, e pediu pra embrulhar pra viagem. Foram em direção à praça central do shopping e se sentaram perto do jardim. Seu namorado abriu a embalagem e pegou o pedaço de bolo com suas mãos. Sorrindo, ofereceu a ele. E é claro que ele aceitou. Comeu e... E sentiu que o bolo era gostoso. Mas era doce. Doce demais. Agora ele precisava de água.
Se levantaram e continuaram seu passeio. O shopping não era tão interessante agora. As mesmas vitrines, mesmas marcas, mesmas pessoas. E de repente eles estavam parados em frente a uma escada rolante. Ele queria subir. E seu namorado disse "Tudo bem. Eu vou com você." Mas o problema é que ele queria ir sozinho. Ele precisava disso. Ele precisava de alguns momentos sozinho. O namorado perguntou por quê. Por que eles não podiam ir juntos? Será que ele não o amava mais? Mas ele não sabia como responder. Tudo aquilo que eles tinham era doce. Mas era doce demais. Agora ele precisava de algum tempo sozinho.
Assim, o namorado compreendeu. "Pode ir, meu amor. Vai que eu espero aqui. Pode ir, mas volta, que eu vou estar aqui te esperando".
Então ele juntou sua coragem e começou a caminhar. Parou por uns instantes e olhou pra trás, pro seu namorado, que continuava ali, olhando pra ele, carregando um sorriso triste em seus lábios. Tornou a olhar pra frente e subiu na escada rolante. Começou a subir, mas... Mudou de ideia. Será que era isso mesmo que ele queria? E rapidamente ele começou a descer pra fora da escada. Saiu da escada e foi correndo pros braços do seu namorado.
É claro que o namorado ficou feliz com isso. O recebeu e abraçou e o beijou. "Você quer ficar aqui comigo? Ou quer que eu vá com você pro segundo andar?" perguntou ele esperançoso...
Mas não. Ele ainda queria ir... E queria ir sozinho... Ao dizer isso ao seu namorado, quebrou seu coração mais um pouquinho... Ele se desculpou, mas essa era a verdade. E não havia como fugir dela. Dessa vez ele se despediu de novo e foi em direção à escada rolante com um pouco mais de confiança. Ele ainda sentia medo, mas não olhou pra trás. Embarcou no primeiro degrau e começou a subir. Dessa vez ele conseguiu chegar no meio do caminho, mas o sentimento de insegurança era muito forte. Ele novamente voltou correndo, atropelando todo mundo que estava em seu caminho. De novo ele aterrissou nos braços do seu amado. Era tão bom estar ali... Saber que aquele lugar seguro ainda estava ali. Seu namorado o abraçou fortemente, quase em lágrimas. Então ele pegou em sua mão, com firmeza, e disse:
"Vamos, meu amor. Vamos pra outro lugar. Eu estou cansado de ficar aqui esperando e eu quero ver mais coisas aqui no primeiro andar. Com você. Vamos os dois juntos... Quer ir?"
E dessa vez ele não disse nada. Somente sorriu e finalmente compreendeu tudo. Chegou mais perto de seu namorado e deu um longo e triste último beijo. E então foi em direção à escada rolante. Dessa vez, a viagem aconteceu sem sobressaltos. Ele estava em todo o percurso virado em direção ao namorado. Olhando em seus olhos. Mas ele foi até o fim. E o namorado... Ah, ele estava com um olhar triste, claro. Mas logo ele desapareceu de sua vista. Ele chegou sozinho ao segundo andar. E tudo era exatamente igual ao andar que ficara pra trás. As mesmas vitrines, mesmas marcas, mesmas pessoas. A diferença é que agora ele estava só. Seu namorado tinha ficado pra trás. Ele compreendeu, então, que sentiria muitas saudades dele. Correu, então, em direção à escada rolante e foi pro andar debaixo, na esperança de encontrar seu namorado esperando por ele! Mas já era tarde demais... Quando ele finalmente chegou no andar debaixo o namorado não estava mais lá. E tudo era igual: mesmas vitrines, mesmas marcas, mesmas pessoas. Sem namorado.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

The Void







Some days nothing seems to work. You know when things just don't flow? This is what happened yesterday with me. I was leaving home a little late for my bus and on my way downstairs I felt something was missing. While walking I reached for my pocket and felt the empty space: I had forgotten the book I am reading on my subway rides. I hesitated for a moment before deciding to quickly go back and pick it up. When I finally arrived at the bus stop I had missed it by just a few seconds! And there you go… I knew I had messed up the feng shui of my day: missing that bus, led me to take the wrong train, which, by its turn, led me to the wrong train station.
So, there I was, standing at the wrong station, already super late for my class, when I decided I might as well skip it for the day.
I left the station and started wandering around, thinking about life, when I noticed I was still carrying the book that had caused this small revolution in my Monday morning’s plans. Isn’t it funny how almost every day small things can have an impact on our lives? If I hadn’t decided to go back and pick up that book, I would then be learning the Konjunktiv II. But instead I was now taking a walk.
On my way I spotted a gap in a row of buildings that looked like a square, or better: a garden. It was kind of funny, because it really looked like someone had taken an entire house out of the middle of those two buildings, as easily as someone cuts a piece of cake. And then, the neighborhood, without having anything better to do with the empty place, had decided to make a garden out of it. It reminded me of my hometown, Brasilia, which also has lots of empty spaces. In fact, there are so many empty spaces in Brasilia that I wondered if it could ever be covered with gardens. If that happened, there would be no prettier city. But anyway, I was not in Brasilia. And as far as I knew, I had found the prettiest garden in Berlin. I decided to sit there and enjoy the flowers, feel the sun, and watch the kids running around.
As I watched those kids, I tried to remember how many “books” I had come back to pick up in my life. And how many times those books had taken me to places I had never imagined going… I must confess I couldn’t remember a single one of them. I guess our limited capacity to keep memories makes us erase several of those unimportant decisions that make small revolutions in our everyday life.
One of the children came running towards my bench and hid behind it. And only then I realized those children weren’t randomly running. They were playing hide and seek. So I carefully pretended I didn’t know what was going on with this small fugitive and kept my Monday morning’s thoughts. I guess it is better not to remember everything. We do not have a vocation to be God and carry the weight of knowing everything. And this is good. I doubt those kids would be able to run so lightly if they had to carry all this weight.
This idea became even clearer to me just a few moments later, when I stood up and walked away from the garden. On my way out I could read a sign that explained how that empty space was actually a house destroyed by bombs during World War II. I tried to digest such information. But it was just Berlin being Berlin, and asking permission not to forget its past.
Yes, this is typical Berlin. She is always telling me that her empty spaces have meanings; that her sidewalks have small golden plaques; that her fountains have lists of names from people who were taken away before their time. Yes, this was only Berlin trying to teach my mind that it is not ok to forget everything; that some things should never be forgotten.
And there you go. As I kept walking through Berlin’s perfect sidewalks my mind travelled to Brasilia once more. If Berlin carries the weight of its own heavy past, Brasilia aims for the opposite. She constantly turns our heads to the sky. And everything is so light there that we keep forgetting our recent past which we just started to build. While in Berlin all those empty spaces are there to remind us of things that have been, but no longer are, in Brasilia empty spaces make us think of the future. Emptiness means potential and possibilities.  And all this lightness of having possibilities can also bring weight with it. The weight of the responsibility we have when we decide how to fill them.
And then I couldn’t help but smile, just like I always do when I suddenly see those improbable correlations.

And all became even more special when I realized that exactly one year ago I left the city with no past to the city with too much past. The only city that could add a little bit of heaviness to my twenty-five years of Brasília.

O poder do vazio







Tem dias em que as coisas parecem estar amarradas... Sabe quando o dia não flui? Comigo isso acontece uma vez por mês, mais ou menos... Ontem mesmo, por exemplo. Saí de casa alguns minutos atrasado pra pegar o ônibus, mas no meio das escadas percebi que tinha esquecido o livro que to lendo no metrô... Parei por alguns instantes e decidi que iria voltar pra buscá-lo. Quando cheguei no ponto, tinha perdido o ônibus por alguns segundos! E aí aconteceu... Eu tinha que decidir entre esperar o próximo ou andar até a estação de trem. Mas comigo, quando isso acontece, eu sei que o feng shui do dia já ficou todo embaralhado. E não deu outra! Decidi esperar pelo próximo ônibus, que chegou atrasado. E aí eu perdi o trem, novamente, por alguns segundos. Como peguei o próximo trem que passou, nem percebi que era outra linha, que não me levava aonde eu queria...  E foi assim que eu fiquei super estressado logo de manhã! Parado na estação errada, já com meia hora de atraso, resolvi que não fazia sentindo mais me apressar pra aula. Então, eu iria só pra segunda metade da aula mesmo. Era melhor investir meu tempo em refazer minhas energias.
Saí da estação e fui caminhando enquanto pensava na vida. Olhei pro livro que eu ainda segurava em minha mão. A causa disso tudo. Engraçado como todos os dias a gente está constantemente mudando nossas vidas. Se eu não tivesse ido buscar o tal livro, estaria agora aprendendo o Konjunktiv II. Mas parece que foi mais forte que eu. E agora eu estava aqui. Passeando...
Avistei um espaço entre os prédios que me pareceu ser uma praça ou jardim. Na verdade era não bem uma praça... Parecia mais que alguém tinha tirado uma fatia entre dois prédios. E naquele terreno baldio, os moradores mesmos se empenharam em construir um pequeno jardim, com árvores e banquinhos. Me sentei pra observar umas crianças que corriam pelo sol.
Enquanto olhava as crianças, tentei me lembrar de quantos “livros” eu já tinha voltado pra buscar. E quantas vezes eles já tinham me levado pra lugares inesperados... Confesso que não consegui me lembrar de um sequer. Acho que nossa capacidade limitada de armazenar memórias nos faz apagar várias dessas decisões desimportantes que fazem pequenas revoluções em nossas vidas. Uma das crianças veio atrás do meu banco e se abaixou, rindo baixinho. Só então percebi que as crianças não estavam correndo aleatoriamente... Elas estavam brincando de pique-esconde. Fingi que não tinha nada a ver com a agitação ao meu redor e continuei meus pensamentos de segunda-feira de manhã. Que bom que não nos lembramos de tudo. Acho que não somos – e nem temos vocação pra ser – Deus e carregar o peso de tudo saber. E isso é bom. Se a gente carregasse todo esse peso, duvido que nossas crianças conseguiriam correr com tanta leveza quanto eu estava vendo em minha volta.
E isso ficou ainda mais claro quando me levantei pra continuar meu passeio e fui ver a placa no canto do parque. Lá no cantinho eles explicam que onde havia a pequena praça, ficava uma casa que foi destruída por uma bomba na segunda guerra. Sorri pra mim mesmo enquanto tentava fazer essa informação fazer sentido. Mas era apenas Berlim sendo Berlim e, pedindo licença pra não esquecer seu passado.
É... Berlim gosta de fazer isso. Sempre me diz que seus vazios tem significado. Que suas calçadas tem umas pequenas lajotinhas douradas. Que suas fontes tem listas de pessoas que se foram. Sim, era apenas Berlim, tentando lutar contra minha mente imperfeita que tudo tenta esquecer.
Mas que coisa! Enquanto continuava meu passo pelas calçadas perfeitas de Berlim, comecei a lembrar de minha cidade. Se Berlim nos traz o peso do passado e nos deixa com os pés bem firmes no chão, Brasília se propõe a justamente girar nossas cabeças em direção ao ceu e, em sua leveza, nos esquecemos do passado que ainda estamos tentando começar a construir. Se, em Berlim o vazio me lembra do que já foi e que precisa ser reconstruído, em Brasília o vazio nos remete ao futuro... É aquilo que ainda não veio. E toda essa leveza da possibilidade do futuro também traz seu peso. Os vazios de Brasília nos lembram da responsabilidade que todos nós temos ao decidirmos como vamos preenche-los.
Sorri de novo, como sempre faço quando vejo essas associações improváveis. E tudo ficou ainda mais especial quando percebi que hoje faz um ano que saí da cidade sem passado para a cidade com passado demais. A única cidade que conseguiu colocar um pouco de peso necessário aos meus vinte e cinco anos de Brasília.