quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Café da manhã





Hoje o dia está frio. Foi uma dificuldade pra sair da cama, mas consegui. Agora estou sozinho na cozinha, aproveitando a solidão matinal. Acabo de passar um café fresquinho. Seu cheiro forte inunda a cozinha e me ajuda a acordar pra mais um dia. Sabe, é essa minha parte preferida do café: seu cheiro. É que, segurando a caneca de café preto e sentindo seu calor em minhas mãos, seu cheiro me inunda. Cheiro da cozinha lá de casa, no Brasil distante. Cheiro da pausa pro cafezinho do trabalho. Cheiro de “só mais 5 minutinhos, mãe, que eu já eu levanto pra ir pra escola”.
Antes do primeiro gole, olho dentro da caneca e me deparo com minha segunda parte preferida do café: sua cor. Correndo o risco de me tornar ridículo, vou compartilhar com vocês um segredo: o negro do café me fascina. Longe de ser o negro artificial de uma Coca-Cola, com suas bolhas agitadiças, o café não. O café fica quieto, deixando uma pequena névoa se desprender de sua superfície, me aguardando. Miro para o misterioso círculo negro dentro de minha caneca, mas ele não se intimida. Me olha de volta no fundo dos olhos, como que me desafiando: você vai encarar o desconhecido? Você vai enfrentar mais um dia, com todos seus desafios? Tento protestar, mar ele não fala mais nada. Apenas permanece me encarando. Como geralmente acontece nesses pequenos duelos de olhares, sempre ha um vencedor e um perdedor. E eu me dou por vencido, desviando meu olhar. Fecho os olhos pra aguçar meu olfato, mas então, ao invés de desaparecer, a negritude se agiganta, saindo dos limites da caneca e tornando-se a imensidão dos olhos fechados. Fora de mim já existe a manhã, mas o café me acorda pra lembrar que a noite voltará.
Enquanto estou de olhos fechados, o cheiro e a negritude brincam com meus sentidos, me levando pra visitar lugares inesperados. O cheiro me puxa pras lembranças diversas. Cores conhecidas, familiares e agradáveis. Mas a negritude me mostra cores nunca antes vistas. De um futuro desconhecido. De um futuro que me deixa maravilhado com sua dureza e beleza. Cores escondidas no desconhecido do negro. Uma jornada que dura apenas um instante, pois abro os olhos e estou de volta em minha cozinha, com sua janela cinza. Do lado de fora um corvo canta triste no céu de Berlim.
E o céu melancólico de Berlim me lembra da minha terceira parte preferida do meu café: seu gosto amargo. Deixei de tomar café adoçado faz um tempo já e confesso que não sinto falta mais. Coisa da idade. Com o tempo aprendi que o doce pode ser muito doce. Que não podemos ter céu azul todos os dias. Que não pode existir uma vida de alegrias apenas. Mas também aprendi que está tudo bem. Que o que percebemos como indesejável também traz sua beleza. Que o azedo e o amargo possuem um espaço muito importante em nossos dias. E que seria insuportável conhecer apenas o doce e salgado de tão óbvios que são.
E assim, tomo meu primeiro gole do dia, recebendo esse liquido negro e amargo, que vem carregado de memórias, medos e misteriosas possibilidade.
Bom dia.