domingo, 28 de setembro de 2014

Uma piada de mau gosto




No debate da Record, neste domingo, o candidato à Presidência da República Levy Fidelix deixou de ser o candidato cômico, o que falava em bilhões e trilhões, tinha ideia fixa no aerotrem e um bigode ridículo. 
É que geralmente esse candidato, junto com o Pastor Everaldo, é o mais despreparado em suas respostas. É comum que ele não encontre material nem por um minuto e meio, mesmo em assuntos complexos como segurança pública ou sustentabilidade, e fique divagando.
É aí que a surpresa vem. 
Ao ser questionado pela candidata Luciana Genro (PSOL) sobre sua posição quanto ao casamento civil homoafetivo, Levy foi eloquente e conseguiu horrorizar uma nação em pouco tempo. Levy Fildelix mostrou que as ideias que disse não eram improvisadas. Era um discurso concebido ao longo de uma vida. Daqueles que só é falado em um círculo íntimo de amigos, numa mesa de bar, com pessoas para balançarem a cabeça e darem apoio. 
Quando o candidato falou que "aparelho excretor não reproduz", ele não estava fazendo propaganda de uma ideia nova, como sempre faz com seu anedótico aerotrem. O candidato repetiu o que está na cabeça de muitos
Quando ele associou automaticamente homossexualidade a pedofilia, ele não estava tentando encher linguiça sobre um assunto que desconhece, como geralmente faz quando se encontra em face de uma pergunta mais complexa. Ele apelou pro medo, como a gente vê diariamente em muitas pessoas.
Quando o candidato convidou a maioria a se juntar e lutar contra a maioria, ele não precisou inventar cifras e falar em milhões ou bilhões. Ele acertou que existe uma minoria e uma maioria. E tentou dividir a sociedade brasileira, como alguns pastores e políticos têm feito, num verdadeiro discurso de ódio.
É esse o preconceito velado que temos muito no Brasil. É um preconceito escondido, mas sempre presente, que de tempos em tempos dá as caras em sua forma explícita, num assassinato ou num espancamento, mas que no dia-a-dia fica guardadinho, só esperando pra falar dos privilégios que os gays querem, pra chamar o colega de bicha, pra condenar a falta de vergonha da nossa sociedade, pra bater no travesti, pra matar o viado, etc.
Candidato Levy Fidelix, o senhor mostrou sua verdadeira face, a do preconceito velado, que convive conosco diariamente. O senhor não é mais o engraçadinho, o Super Mário, o "cara do aerotrem". O senhor continua uma piada, sim. Mas de muito mau gosto.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Quem?

"Cidade planejada para o trabalho ordenado e eficiente, mas ao mesmo tempo cidade viva e aprazível, própria ao devaneio e à especulação intelectual, capaz de tornar-se, com o tempo, além de centro de governo e administração, num foco de cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país." 
Lúcio Costa







Estou em meu quarto, recebendo o vento úmido que vem pela janela. 
Me faz lembrar de uma das frases que uso quando me pedem pra me definir. 
Quem é você? 
Eu sou Gustavo e gosto do cheiro de terra molhada. 
Do cheiro da terra molhada que vem depois da seca em Brasília. 
Que invade meu quarto, misturado com o barulho dos carros passando na EPIA, perturbando o silêncio da madrugada. 
Quando cheguei em Brasília, depois de dois anos morando fora, fiquei confuso. Tinha me esquecido de como Brasília era diferente, especial. Seca e árida. 
A seca me sufocou, me fez espirrar. Fez meu nariz sangrar e ensaiou me presentear de volta minha asma. 
Sentia o peso imenso dessa cidade, de sua solidão, seu afastamento.
É que saía às ruas buscando encontrar o que ela não poderia me oferecer.
É que procurava algo que não havia perdido aqui.
É que cada momento da nossa vida tem um ritmo. 
E eu forçava meus passos em uma melodia diferente.
Mas agora... Agora estou em meu quarto, recebendo o vento úmido que entra pela janela.
Quem é você, Gustavo?

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

"Vamos acabar com essa praga"



Um rapaz de 18 anos foi morto na última terça-feira, dia 9 de setembro. O nome dele era João Donati e ele era gay. Tudo leva a crer que o crime foi motivado pelo preconceito contra a orientação sexual do menino. 
Eu já comecei a escrever este post umas várias vezes. Escrevo e escrevo, mas não consigo continuar. Apago e recomeço. Não seu qual seria o motivo disso, já que geralmente não tenho dificuldades pra escrever.
Segundo o jornal Folha de São Paulo, "a suspeita de homofobia como motivo do crime seria pela folha cruel como ele morreu e porque nada foi roubado - a carteira estava com Donati, com dinheiro dentro".
Homofobia... Homofóbicos que quebraram as pernas do garoto. Homofóbicos que quebraram a vida desse garoto. Homofóbicos que quebraram pra sempre a família desse garoto.
Me pergunto por que só consigo escrever com muito custo sobre esse tema. 
Talvez seja por me identificar com ele. Ele era gay como eu. Cabelos escuros e pele parecida. Não morava tão longe de Brasília...
Talvez seja pela crueldade e pelo recado deixado na boca dele. "Vamos acabar com essa praga" eles disseram... Essa "praga" sou eu. Somos todos nós que ousamos ser gays, no entender dessas pessoas. Pra esses assassinos, meu destino seria estar no IML agora. Morto. Asfixiado, longe de meus amigos e de minha família. Morto. Com braços e pernas quebrados.
Mas talvez tenha sido por que essa semana eu fui a dois eventos da semana de consciência LGBT da minha cidade. Fui a um sarau e fui à parada gay de Brasília. Dois momentos lúdicos, que serviam pra que nós tivéssemos diversão, cultura, e pra celebrar a alegria de estarmos juntos e vivos e sermos nós mesmos. Nos dois momentos houve pessoas que tomaram 5, 10 minutos de seu tempo pra pegar o microfone e falar sobre homofobia e transfobia. Pra conscientizar todos nós. Eles comentaram sobre como esse perigo era real. 
E minha reação foi muito imatura. Eu reclamei com meus amigos sobre como esses comentários estragavam o clima do momento. Sobre como as pessoas que falavam sobre aceitação, união, luta, estavam empatando a diversão.
E agora, como é que fica a diversão? Como é que fica a alegria? 

Vamos, juntos, "acabar com essa praga" chamada homofobia. No dia a dia, nas manifestações, nas eleições, em nossos trabalhos, igrejas e famílias. O trabalho é árduo e muitas vezes empata nossa diversão e nosso conforto. Mas é o preço que pagaremos pra sermos respeitados. Aqui está uma lista de manifestações que acontecerão em todo o Brasil, motivadas ou não por este crime específico

São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2014

Belo Horizonte, sábado, 13 de setembro de 2014
Taguatinga, domingo, 14 de setembro de 2014 (9a Parada Gay de Taguatinga)
Recife, domingo, 21 de setembro de 2014