terça-feira, 13 de agosto de 2013

O poder do vazio







Tem dias em que as coisas parecem estar amarradas... Sabe quando o dia não flui? Comigo isso acontece uma vez por mês, mais ou menos... Ontem mesmo, por exemplo. Saí de casa alguns minutos atrasado pra pegar o ônibus, mas no meio das escadas percebi que tinha esquecido o livro que to lendo no metrô... Parei por alguns instantes e decidi que iria voltar pra buscá-lo. Quando cheguei no ponto, tinha perdido o ônibus por alguns segundos! E aí aconteceu... Eu tinha que decidir entre esperar o próximo ou andar até a estação de trem. Mas comigo, quando isso acontece, eu sei que o feng shui do dia já ficou todo embaralhado. E não deu outra! Decidi esperar pelo próximo ônibus, que chegou atrasado. E aí eu perdi o trem, novamente, por alguns segundos. Como peguei o próximo trem que passou, nem percebi que era outra linha, que não me levava aonde eu queria...  E foi assim que eu fiquei super estressado logo de manhã! Parado na estação errada, já com meia hora de atraso, resolvi que não fazia sentindo mais me apressar pra aula. Então, eu iria só pra segunda metade da aula mesmo. Era melhor investir meu tempo em refazer minhas energias.
Saí da estação e fui caminhando enquanto pensava na vida. Olhei pro livro que eu ainda segurava em minha mão. A causa disso tudo. Engraçado como todos os dias a gente está constantemente mudando nossas vidas. Se eu não tivesse ido buscar o tal livro, estaria agora aprendendo o Konjunktiv II. Mas parece que foi mais forte que eu. E agora eu estava aqui. Passeando...
Avistei um espaço entre os prédios que me pareceu ser uma praça ou jardim. Na verdade era não bem uma praça... Parecia mais que alguém tinha tirado uma fatia entre dois prédios. E naquele terreno baldio, os moradores mesmos se empenharam em construir um pequeno jardim, com árvores e banquinhos. Me sentei pra observar umas crianças que corriam pelo sol.
Enquanto olhava as crianças, tentei me lembrar de quantos “livros” eu já tinha voltado pra buscar. E quantas vezes eles já tinham me levado pra lugares inesperados... Confesso que não consegui me lembrar de um sequer. Acho que nossa capacidade limitada de armazenar memórias nos faz apagar várias dessas decisões desimportantes que fazem pequenas revoluções em nossas vidas. Uma das crianças veio atrás do meu banco e se abaixou, rindo baixinho. Só então percebi que as crianças não estavam correndo aleatoriamente... Elas estavam brincando de pique-esconde. Fingi que não tinha nada a ver com a agitação ao meu redor e continuei meus pensamentos de segunda-feira de manhã. Que bom que não nos lembramos de tudo. Acho que não somos – e nem temos vocação pra ser – Deus e carregar o peso de tudo saber. E isso é bom. Se a gente carregasse todo esse peso, duvido que nossas crianças conseguiriam correr com tanta leveza quanto eu estava vendo em minha volta.
E isso ficou ainda mais claro quando me levantei pra continuar meu passeio e fui ver a placa no canto do parque. Lá no cantinho eles explicam que onde havia a pequena praça, ficava uma casa que foi destruída por uma bomba na segunda guerra. Sorri pra mim mesmo enquanto tentava fazer essa informação fazer sentido. Mas era apenas Berlim sendo Berlim e, pedindo licença pra não esquecer seu passado.
É... Berlim gosta de fazer isso. Sempre me diz que seus vazios tem significado. Que suas calçadas tem umas pequenas lajotinhas douradas. Que suas fontes tem listas de pessoas que se foram. Sim, era apenas Berlim, tentando lutar contra minha mente imperfeita que tudo tenta esquecer.
Mas que coisa! Enquanto continuava meu passo pelas calçadas perfeitas de Berlim, comecei a lembrar de minha cidade. Se Berlim nos traz o peso do passado e nos deixa com os pés bem firmes no chão, Brasília se propõe a justamente girar nossas cabeças em direção ao ceu e, em sua leveza, nos esquecemos do passado que ainda estamos tentando começar a construir. Se, em Berlim o vazio me lembra do que já foi e que precisa ser reconstruído, em Brasília o vazio nos remete ao futuro... É aquilo que ainda não veio. E toda essa leveza da possibilidade do futuro também traz seu peso. Os vazios de Brasília nos lembram da responsabilidade que todos nós temos ao decidirmos como vamos preenche-los.
Sorri de novo, como sempre faço quando vejo essas associações improváveis. E tudo ficou ainda mais especial quando percebi que hoje faz um ano que saí da cidade sem passado para a cidade com passado demais. A única cidade que conseguiu colocar um pouco de peso necessário aos meus vinte e cinco anos de Brasília.





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