sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Anestesia






“Pode entrar e se preparar para a cirurgia. É só vestir a camisola e se deitar. Em cinco minutos volto pra aplicar a anestesia”.
“Obrigado”.
Ela fechou a porta e deixou Paulo sozinho. Ele examinou o recinto. A sala era fria e branca. Tirou sua roupa, vestiu sua camisola e ficou sentado na beirada da maca. Olhou em volta, tentando achar algum objeto para focar sua atenção. Mas não obteve êxito.
Pensou no Pedro. Pensou nele, da mesma forma como tinha feito nos últimos seis meses. Desde que terminaram, ele não conseguia tirar Pedro de sua cabeça. Na verdade, Pedro estava mais presente no seu dia a dia do que quando estavam juntos. Era sua companhia pro café da manha e pro jantar. Quando Paulo tomava banho, Pedro lhe assistia. Quando Paulo passeava com o cachorro, Pedro o seguia. Quando Paulo tentava trabalhar, Pedro decidia lembrá-lo de todos os aspectos do relacionamento que tinham causado o termino. Até mesmo quando dormia Pedro era tudo que existia em sua mente.
Os amigos diziam que isso ia passar. Era só ter paciência. Um dia passaria. Mas Paulo sabia que com ele era diferente. Isso não era apenas uma dor de cotovelo.
Por suspeitar ser algo físico, Paulo havia ido ao médico semanas atrás. O doutor, após escutar o relato, pediu vários exames e constatou. Pedro havia se transformado em um tumor. Um tumor no cérebro de Paulo, para ser mais exato. E o interessante é que esse tumor estava em uma área de seu cérebro que, segundo o doutor garantiu, era a responsável pelos pensamentos imediatos.
“Então, pode ser isso que tem me causado o pensamento fixo no Pedro, Doutor?”
“Olha, não quero fazer uma afirmação tão forte, mas… sim. Penso que se retirarmos o tumor, você estará livre para voltar a se preocupar com as coisas ordinárias do dia a dia…”
“Então, quer dizer que ficarei com raiva do trânsito de novo? E… e acharei graça nas piadas sem graça que meus amigos me contam na mesa do bar?” perguntou esperançoso.
“Precisamente. Tenho minhas apostas de que, com a retirada do tumor, você poderá ter as preocupações mais comezinhas da vida. Sem Pedro”
“Então, Doutor, eu preciso fazer essa cirurgia” concluiu Paulo melancolicamente.
“Que bom que se decidiu tão prontamente, rapaz. Mas, antes não quer ouvir dos riscos? Ou compreender como se deu a formação do tumor?”
“Ah sim, claro.”
“Pois bem, quando você e Pedro terminaram, você passou por um trauma muito forte. Seu cérebro, então, fugiu da dor e do sentimento ruim que isso causava. Foi aí que, como um mecanismo de defesa, seu cérebro realocou todas as células que guardavam essas memórias  específicas em um só local. E as isolou.”
“Nunca escutei nada parecido.”
“Eu já tinha lido sobre isso, mas nunca havia realmente tido um caso deste em meu consultório. Na verdade, é mais comum do que se imagina. Pode acontecer com qualquer um. Por isso que conseguimos ver pessoas que amaram intensamente, mas que deixam de amar de uma hora pra outra. O cérebro delas faz esse mesmo procedimento. Mas geralmente isso não causa o tumor. E sem tumor, ninguém se preocupa em analisar isso…”
“E porque o senhor acha que isso aconteceu comigo?”
“Não sei dizer ao certo. Mas talvez você tenha muitas memórias boas – estas ocupam muito mais espaço do que as ruins. Ou talvez o seu cérebro tenha entendido essas lembranças como muito relevantes. Isso é o que as pessoas costumam chamar de ‘um grande amor’. O interessante no seu caso, é que houve uma ‘rebelião’ dessas células. Elas saíram do casulo e foram se multiplicando. Se multiplicando justamente na área do seu pensamento imediato. É por isso que ele, o Pedro, está em todos os seus pensamentos.”
Paulo ficou quieto. Tentava digerir aquelas informações novas.
“Está tudo bem?” Perguntou o doutor, um pouco preocupado.
“Sim, claro... Acredito, então, que essa cirurgia é minha melhor opção”
“Pois é. Tenho que falar sobre a contraindicação, ou melhor, os efeitos colaterais dessa cirurgia. Lembra-se como expliquei ao senhor sobre o ajuntamento das células que guardavam as memórias do Pedro que o seu cérebro fez?”
“Sim. O que tem?”
“Isso significa que todas as suas lembranças do Pedro estão reunidas no tumor.”
“Não compreendo bem…”
“Isso quer dizer que, ao remover o tumor, removeremos as memórias do Pedro da sua vida. Em última instância removeremos ele inteiramente de sua memória.”
“Não me lembrarei dele? Como se fosse apagado da minha vida?”
“Exatamente. O apagaremos da sua vida. Mas lembre-se: a literatura médica indica que você poderá seguir com sua vida logo após a cirurgia.”
Paulo permaneceu quieto, com uma expressão quase solene.
“Preciso pensar sobre isso, doutor. Posso ligar em alguns dias com a resposta?”
“Fique à vontade.”
Paulo foi pra casa e tentou pensar no assunto. No entanto, Pedro povoava todos seus pensamentos. Qualquer filme que assistia lhe lembrava de Pedro. Qualquer conversa com seus amigos tinha Pedro como principal assunto. Nada que ele fizesse lhe ajudava em ter uma mente mais calma para pensar sobre a sua decisão.
Ante a impossibilidade de pensar, compreendeu que a única opção viável seria fazer a cirurgia. Foi obrigado a isso, para seguir em frente e continuar com sua vida.
“Posso entrar?” perguntou a enfermeira do outro lado da porta.
Paulo permaneceu quieto. Silenciosamente pensando em Pedro.
Ela abriu a porta e perguntou “O senhor já esta pronto?”
“Sim.”
O médico entrou e começou a lavar suas mãos. Paulo olhava pela janela, enquanto a enfermeira limpava seu braço com álcool. O dia estava nublado e o céu estava branco. Bem parecido com o dia em que eles se conheceram, há três anos. Depois do álcool veio a agulha. Doeu um pouco.
“Por favor, Senhor Paulo, conte de dez a um em voz alta.”
“Dez, nove, oito, sete, seis…”
E finalmente descansou em paz.

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom, moço ~

Anônimo disse...

Muito bom, moço ~

Anônimo disse...

Muito bom, moço ~

Anônimo disse...

maldito blogger.....publique ...................