sábado, 14 de junho de 2014

Os Alquimistas





- To sem abridor de garrafas. Abre a cerveja pra mim?
- Mas é claro! Dois anos aqui me ensinaram pelo menos isso!
Ele pegou a garrafa da mão dela e a abriu usando a sua.
- Aqui. Agora só preciso achar um cantinho pra abrir a minha cerveja... - ele disse, enquanto procurava por qualquer beirada de um muro ou cerca onde pudesse fazer a mágica.
- Pronto, acho que aqui eu consigo...
E ele tentou uma, duas, três vezes até que que a tampa da garrafa finalmente caiu em algum lugar do jardim perto da cerca.
- Vem cá, amigo. Senta. Eu quero aproveitar sua companhia. A gente não tem muito tempo... Prost!
- Prost! - ele respondeu, olhando em seus olhos.
Ele se sentou do lado dela, nos degraus da escada da Casa de Consertos. Eles estavam em Gendarmenmarkt, Berlim. O vento estava frio e o sol já tinha ido embora, apesar de ser só 5 da tarde.
- Nossa, nem acredito que esses dois anos passaram tão rápido! Já é quase Março e logo a gente já vai ter terminado tudo! Todo mundo vai embora de volta pros seus países ou então pra outros lugares... Berlim vai ficar bem vazia - ela disse.
- Não é? O tempo tá passando muito rápido! Eu não me lembro de ser assim quando a gene era criança!
- Pois é! Eu me lembro que demorava pra sempre pra chegar o Natal ou a Páscoa... O meu Adventskalender demorava uma eternidade pra passar!
- Hahaha! Adventskalender... Outra coisa boa que aprendi aqui na Alemanha. Ah, e obrigado por ter me dado um ano passado.
- De nada - ela disse, com um sorriso nos lábios.
Eles tomaram um gole de cerveja.
- E aí? Como foi? Quer falar sobre isso? - ele perguntou.
- Hum... Claro, claro.
- Ok. Sou um ótimo ouvinte - disse, enquanto tomava outro gole de cerveja.
- Então... Ele queria conversar. Queria se explicar, falar de nós dois, falar do nosso futuro...
- Uhum...
- Ele começou me dizendo o quanto me amava e quanto ele queria estar comigo. Me disse que estava arrependido e que ia mudar. Que tudo que eu tinha conversado com ele no passado... Ele finalmente tinha entendido e ia tentar mudar. Que era só eu falar pra ele o que fazer, que ele faria.
- E você?
- Eu.. Eu só escutei. Foi bem difícil, sabe? Eu olhava pra ele... Não é que eu o odeie ou algo assim. Eu ainda gosto dele e quero que ele seja feliz. Não to magoada. Mas o amor que eu sentia... Acabou. Eu disse isso pra ele, mas foi muito difícil. Ele chorou. Eu chorei - ela disse, com lágrimas nos olhos.
- E como você tá se sentindo agora?
- Péssima! Tem essa coisa aqui - ela apontou pro seu coração - que não tá certa. Eu... Eu sinto como se eu estivesse fazendo algo de errado com ele, apesar de saber que não estou - ela começou a chorar - É muito pesado.
- Oh, querida, vem cá, chora não - e ele a trouxe pra perto, abraçando-a - Eu acho que posso te ajudar.
Ele se levantou e estendeu a mão esquerda em sua direção - Vamos? - ela aceitou o convite e se deixou ser levada na direção de um jardim lá perto. O vento estava gelado e ela soltou de sua mão pra proteger suas mão no bolso.
- Ei, aonde você está me levando?
Ele não respondeu. Eles chegaram no meio do jardim, próximo a uma árvore alta, em suas sombras.
- Hummm... Acho que aqui tá bom. Será que alguém consegue ver a gente aqui? - ele perguntou.
- Sei lá... Acho que sim. Mas só se prestarem muita atenção - ela disse, limpando uma lágrima que teimava em cair em sua bochecha - O que você vai me mostrar?
- Aqui, segura isso aqui - ele a entregou sua garrafa e abriu sua mochila.
- Eu to ficando curiosa... - ela disse, tentando parecer mais interessada.
- Rapidinho... Rapidinho... Segura isso pra mim? - disse, enquanto entregava a ela um pacote de biscoitos e uma garrafa vazia de coca-cola - Ai, eu carrego muita coisa comigo! Hahaha... Onde tá? Onde tá? Aqui! Achei! - ele comemorou enquanto tirava de sua mochila uma bolinha - Agora me devolve essa tranqueira toda.
Ele guardou tudo de volta na mochila e pegou sua cerveja de volta.
- Vamos lá, esse é o segredo. Tudo que você tem de fazer é mudar as coisas. Transformá-las. É você que dá o peso pras coisas. Nada é leve ou pesado por si mesmo - disse, enquanto jogava a bolinha pro alto, como se fosse uma bolinha de pingue pongue. Uma bolinha de pingue pongue cinza - se você aprender a controlar, você conseguirá transformar o peso das coisas.
- Ai, tá de brincadeira, né? Você sempre foi engraçadinho! - Ela disse enquanto se levantava e começava a andar de volta - Vamos! Você já me animou. Captei a mensagem. Mas vamos sair do escuro, vem!
- Ei, é verdade! Tá acreditando não? Então pega! - E ele jogou a bolinha a ela.
Ela fez um gesto automático pra pegar a bolinha de pingue pongue. Mas quando ela a alcançou, ela percebeu que a bolinha era muito pesada. Tão pesada que quase a fez perder seu equilíbrio e derrubar sua cerveja.
- Nossa! Do que é feito isso? - ela perguntou ao deixar a bolinha cair no chão - Isso é feito de chumbo?
- Acertou de primeira! Parabéns! Agora volta aqui pra mim. Senta aqui comigo.
Ela pegou a bola e caminhou em sua direção, com olhos incrédulos. Que tipo de brincadeira era aquela? Ela ainda se sentava quando ele começou a explicar.
- É assim que se faz... - ele colocou a bolinha entre eles, no chão - Que nem eu te disse, as vezes a gente não percebe, mas as coisas não são leves ou pesadas por si - ele tomou suas mãos e colocou a bolinha em uma delas - nós que enxergamos as coisas de uma maneira ou de outra e decidimos como elas existirão pra nós - então ele colocou uma de suas mão em cima da mão dela, englobando a bolinha, metade a mão dele, metade a mão dela - eu tenho certeza que você já se perguntou se o seu azul é o mesmo azul que o meu. Se talvez o que eu vejo como azul é o seu vermelho. Todo mundo pensa nessas coisas. Todos se perguntam essas coisas porque está dentro de nós. Temos esse potencial adormecido de criar nosso redor - ele pegou sua outra mão e a colocou no outro lado da bolinha - Quando somos crianças e vemos as coisas pela primeira vez, nós decidimos como elas vão ser pra nós. E se conseguimos decidir quando somos crianças, também conseguimos fazer o mesmo agora. A gente que decide! - ele apertou as mãos dela em volta da bolinha - A gente!
Ela segurava a bolinha e conseguia sentir seu peso.
- Fala sério... Ela continua pesada - ela disse, incrédula.
- Só tenta, vai. Volta... Volta pro seu passado, pra sua infância. Tenta decidir o quão pesado uma bolinha de chumbo realmente é. Só tenta. Acredita em mim.
Ela fechou seus olhos e tentou. Se lembrou de sua infância. De sua mãe a deixando na creche. Do fim de semana em que sua família acampou perto da praia. Ela se lembrou de segurar a mão de seu pai, enquanto andavam num domingo ensolarado... Estavam indo comprar sorvete. Ela conseguiu se lembrar perfeitamente de como gostou de sentir os raios solares em sua pele e especialmente como ela gostou do cheiro que sua pele tinha depois de tomar sol por alguns minutos. Ela se lembrou de vivenciar isso e de gostar pela primeira vez. E ao pensar nessa memória, ali, naquela noite fria de Berlim, ela começou a sentir o sol em sua pele. Ela conseguiu sentir a mão de seu pai em sua mão. Conseguia sentir a mesma segurança que só as crianças conseguem ter, quando estão abertas a tudo e a todos, abertas a provar qualquer coisa que aparecer pela frente. Ela sentiu tudo. Mesmo que apenas por alguns segundos, ela sentiu isso tudo. E então, desse jeito, a bolinha em suas mão se tornou leve, como se fosse uma bolinha de Ping-Pong.
Ela abriu seus olhos e viu seu amigo sorrindo de volta.
- E aí? Conseguiu? - Perguntou esperançoso.
- Sim! - ela disse triunfante - Consegui! - E ela jogou a bola de chumbo pro ar, como se fosse uma bolinha de Ping-Pong - Que máximo! E dá pra fazer com qualquer coisa? - Ela perguntou, enquanto brincava com seu brinquedinho novo.
- Ah, acho que sim... Quase tudo... - ele explicou - Eu acho que tudo pode ser transformado em sua versão light - ele disse rindo - Mas será que a gente quer isso? Assim, acho que tem coisas que precisam ser pesadas, né? Se não tudo flutuaria... - E soltou uma outra risada.
- Faz sentido, faz sentido.
- Mas o importante é você saber que você pode fazer isso... E aí você que decide quando.
Ela veio e o abraçou de um jeito estranho. Como eles estavam sentados no chão, eles quase rolaram e caíram. Ele foi pego de surpresa e derrubou sua garrafa no chão.
- Ei, ei, ei! Sem desperdiçar a cerveja! - disse, enquanto pegava a cerveja caída.
- Obrigada! Muito obrigada por essa conversa! - ela disse, e estendeu a mão, devolvendo a bolinha.
- Não precisa agradecer... E pode ficar com a bolinha. É um Geschenk.

Para Anne Marie. Minha amiga.

Um comentário:

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