terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O que não disse





Depois de um tempo aqui no Brasil, a vida finalmente encontrou seu ritmo. Acordo num determinado horário. Como, almoço, faço o lanche da tarde... Passeio com o cachorro, vejo amigos e deito em frente à televisão. Durmo. As coisas se repetem num ritmo que me embala e me faz sentir-me em casa.
Além de a vida ter encontrado seu ritmo, eu também encontrei muitas coisas por aqui. Encontrei inúmeros cadernos de 10 anos atrás que eu guardava. Estavam lá, parados, do lado de um bolo de notas fiscais de 7 anos atrás. Ambos esperando, sem sentido. Encontrei cartinhas de possíveis namoradinhas da quinta, sexta, sétima série. Todas casadas hoje. Encontrei documentos de estágio, documentos de vestibular, documentos de nem-sei-o-que. Acho que revirei tanta coisa, que reencontrei até minhas alergias, há muito esquecidas. Mesmo entre um espirro e outro, eu gosto de rever coisas antigas. Algumas se revelam inúteis e vão pro lixo. Outras a gente decide esperar mais cinco anos antes de jogar fora. E outras ficam. Guardadas.
Mas eu não fiquei só encontrando boletos bancários de curso de francês de 2007 não. Nesses dias tenho reencontrado muita gente. Muitos amigos. E quer saber? A vantagem é que as amizades não ficam esquecidas em uma gaveta, paralisadas, acumulando poeira. Cada um dos amigos que revi continuou sua vida, com novas conquistas e desafios, novos cabelos e novas barbas. Fiquei feliz de me reencontrar com eles. De ver que continuavam aqui, despoeirados.

- Oi, Gu! Que bom te ver!
- Thereza! Que gostoso te ver também! Como você está?
- Ai, Gu, tá ótimo, casa nova, casamento...

- Micheli!!! Você está igualzinha!
- Que saudades, Gu! Toma pra você, uma lembrancinha!
- Não precisava, Mi! Obrigado!

- Ai, Paulinha, nossa cara vir pra livraria cultura, né?
- Gu, os vendedores daqui me conhecem pelo nome! Eu e o Rodrigo estamos aqui todo fim-de-semana.

- Gustavo Carneiro! Como assim você não me ligou ainda? Se esqueceu de mim?
- Desculpa, Leo! Nunca me esqueceria de você! Me conte de sua vida! To com saudades...

- Maria. Minha amada Maria. Que saudades que estava de você!
- Guts! Me dá um abraço! - Não dona Mimi! Não foge não.

E a conversa vai pra assuntos leves e novos. A casa nova, o casamento, a festa, o bolo.
A família. O pai que a acompanhou ao casamento. O concurso que vai chamar. A viagem a Recife. A viagem ao Japão. A gravidez. As lembranças de Berlim. Minha vida em Berlim. Berlim. Brasília. Bolha imobiliária. Berlim. Seriedade dos alemães. Brasil. Imagina na Copa?  Facebook. Valesca Popozuda. Convite pra jantar. Risoto. Acarajé. Brownies. 

Conversas. Tão previsíveis e imprevisíveis como elas sempre são. Mas teve algumas coisas que não consegui falar pra Thereza, Leo, Maria... É que existem alguns acontecimentos pequenos que transformam o nosso dia a dia. Que nos fazem sentir como parte de um lugar. Que se apresentam a nós e nos conquistam, mas continuam seu caminho, sem parar pra nos dar mais encantamento. Compartilho, então, o que não disse.


Passei natal em uma pequena vila de 600 habitantes, perto de Bonn. Enquanto passeava, pude ver cabeças nas janelas me analisando. Na semana do Natal a única loja da cidade estava fechada. Não pude comprar nada de comida pra colaborar na casa da minha anfitriã, o que me deixou um pouco constrangido. Mas fui acolhido numa autêntica ceia de Natal alemã. Dei um Mickey de presente pros sobrinhos dela, que não deram a mínima. Só queriam ler os livros que o avô tinha dado.


Em janeiro voltei de Barcelona para uma Berlim bem escura e fria. Um dia, ao ir pra escola, peguei meu primeiro engarrafamento em terras alemãs. Estava em um ônibus lotado. Desses que não deixariam nenhum ônibus brasileiro com vergonha em termos de passageiros por metro quadrado. Enquanto esperava 10, 20, 30 minutos, comecei a me sentir sufocado. Estava sufocado não pelo pouco espaço que eu tinha pra me mover ou pelo ar viciado partilhado por tanta gente. O que me sufocou foi o silêncio denso que fazia naquele ônibus. Eu senti vontade de gritar, pois não é natural que 60 pessoas permaneçam 30 minutos em silêncio daquele jeito.



No verão trabalhei na Allversity, uma companhia de internet iniciante aqui de Berlim. A inauguração do nosso site foi feito a poucos quarteirões da minha casa. Me vesti e fui pra lá a pé. Ah, sim, é importante dizer que a festa aconteceu na semana mais quente que vivi em Berlim. Já tinha uns 4 ou 5 dias que a cidade estava abafada. Ninguém estava aguentando fazer nada. Pois bem. Depois de umas 5 horas de festa, começou a chover. Chuva forte, com gotas grossas. O instinto natural de todos que estavam na rua foi entrar na casa, para se proteger da chuva. Mas em poucos minutos os convidados da festa conseguiram ver que dentre as gotas pesadas havia um grupo de pessoas leves, dançando e cantando, como se fossem criança. Eu era um deles.


Por volta de Abril, o sol saiu e todos começaram a aproveitá-lo. Um dia aproveitei e fui estudar no parque que tem perto de casa. Cheguei e estendi minha toalha. Peguei meu texto e comecei a ler. Ao fundo escutava uma criança rindo, brincando com o pai. Perto de mim via um adolescente jogando frisbee pro cachorro. Foi gostoso estar ao ar livre. Mas o melhor foi que, deitadinho no chão, consegui olhar rente à grama e ver que haviam várias flores no campo, dessas que parecem erva daninha, sabe? Eram rasteirinhas e com pétalas brancas e curtas. Pois bem, junto dessas flores tinha, no parque todo, inúmeras abelhas trabalhando em minha volta. Cada uma prestando atenção no seu pólen. Percebi que tinha um mundo inteirinho acontecendo à minha volta. E eu voltei a ler meus textos.

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