Mostrando postagens com marcador Brasília. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Brasília. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Rotina





Brasília, 23 de maio de 2015.

7h00. Tocou o alarme. Abriu os olhos, mas virou pro lado.
7h37. Tomou seu café da manhã. Não gostava de frutas, por isso tomou café preto sem açúcar e comeu um pão de queijo de ontem.
8h19. Ponto de ônibus.
8h50. Pegou a bicicleta na rodoviária, pra ir até o Ministério da Justiça e bater o ponto às 9h02.
9h08. Ligou seu computador e foi até a copa buscar café.
9h17. Leu os e-mails e às 9h32 cumprimentou sua colega de sala, de Ribeirão Preto, moradora da Asa Norte que se sentava na mesa da frente. Nos próximos 20 minutos chegaram todos e falaram do fim de semana e emendaram a conversa para assuntos de trabalho. Reuniões, análises, briefings, tabelas comparativas, votações.
9h49. Se dirigiu para a reunião geral.
De 9h53 até 12h48 todos estavam sentados na sala do Secretário, negro, de dreads no cabelo e gravata com correntes desenhadas, falando de todas as comissões, de todas as votações, de todos os posicionamentos e direções para base.
10h28. Falaram sobre a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Assunto, PEC da redução da maioridade penal. Posicionamento contrário.
10h43. Falaram sobre Comissão de Meio Ambiente. PEC sobre alterações na demarcação de terras indígenas. Posicionamento contrário.
10h58. Uso de nome social.
11h13. Licença paternidade.
11h19. Primeira mensagem no grupo do Whatsapp sobre o local do almoço.
11h27 Regulação de trânsito.
11h32 Whatsapp: Opções de restaurante: Chico? Kranfo? Menino Esquecido?
11h45. Lei de Antenas.
12h39. Whatsapp: foooome.
12h48. O grupo saiu da sala e foi para as escadas, depois para a frente do Ministério. Discussão de 3 minutos até que se decidiu ir ao restaurante do MJ mesmo, já que todos tínhamos coisas urgentes para fazer.
12h59. Fila.
13h02. Decidiu entre feijão preto ou purê de batatas.
13h03. Decidiu entre fruta ou musse de chocolate.
13h04. Fila.
13h08. Falaram sobre reforma política.
13h14. Falaram sobre Wesley Safadão.
13h21. Começou a comer o musse de chocolate.
13h24. Falaram sobre Game of Thrones.
13h30. Desistiu de tentar terminar o musse. Estava muito doce.
13h32. Fila.
13h37. Conversou por 7 minutos, com os colegas de trabalho, tomando banho de sol.
13h39. A colega, coordenadora da equipe, alta, cabelos lisos e pretos e olhos puxados, apesar de não ser japonesa, se despediu por que teria reunião no Planejamento aquela tarde.
13h49. Tomou cafezinho em sua mesa.
13h59. Organizou a ordem dos briefings que deveria produzir até quarta-feira: lei de antenas, reestruturação da Polícia Rodoviária Federal e discriminação de dados na cobrança de companhias telefônicas.
14h49. Enviou e-mail à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), questionando seu posicionamento.
14h53. Alimentou o processo SEI e o sistema Trello.
15h12. Checou o facebook.
15h22. Começou o briefing.
16h07. Seu coordenador, paulista, barbudo, falador, tirou uma gravata da gaveta e falou "vem comigo pro Ministério do Planejamento. Traz o Briefing sobre o gatilho da Polícia Rodoviária Federal".
16h09. Pegou os papeis na impressora e correu atrás do chefe.
16h29. Sentou à mesa de reunião com o Secretário de dreads, a representante do sindicato da PRF, loira que vestia terninho azul, e alguns inspetores e burocratas de alguns ministérios.
17h32. O celta cinza do MJ deixou ele e seu colega paulistano, que já tirara a gravata, na frente do Ministério.
17h35. Decidiram comer tapioca no carrinho do estacionamento do MJ.
17h37. Mandaram Whatsapp pro grupo.
17h48. Desceram a equipe de civil: outro paulistano barbudo que gostava de cantar trovinha da San Fran, o mineiro de São Paulo, bem casado com outro rapaz, este mineiro de verdade, e a colega de Ribeirão Preto.
De 18h12 até 18h27 tomaram refrigerante, comeram tapioca e pastel, conversaram sobre Redução da Maioridade Penal e reclamaram da incompetência dentro do próprio Governo.
18h34. Pegaram uma tapioca de presunto e queijo para o colega de cabelos meio grandes, que trabalhava na pauta da Redução e não parava na mesa um só segundo.
18h41. Começou o terceiro turno, trabalhando no briefing de antenas.
18h49. Checou o Whatsapp.
18h52. Checou o Facebook.
18h55. Chegou o Grindr.
19h02. Levantou os olhos da tela do computador e olhou para fora, na janela.
19h03 Escutou a voz da representante da República de Ribeirão Preto.
- O que foi, Gusta? Cansou?
- Não, não, só estou imaginando.
- Imaginando o que?
- Esse prédio.
- Ele é lindo, né?
19h04. Ela olhou para as colunas de concreto aparente.
- Demais. Mas não é isso. Você já imaginou, sei lá... Como era um dia de trabalho aqui em 1969, 1970? Esses andares desse prédio, eles já tiveram outras salas. Com outras pessoas dentro, que acordavam, vestiam ternos, entravam aqui, faziam reuniões. Usavam fichas, canetas, máquinas de escrever, mimeógrafos.
- Verdade, né? Todo mundo devia ter um cinzeiro na mesa. Fumar na sala, durante as reuniões.
- Só homens, brancos.
- Muito louco isso, né?
19h06. A colega (de olhos puxados, apesar de não ser japonesa) falou.
- Dizem que tem a sala na garagem, onde faziam tortura.
- Sério?
- O Seu Humberto, do arquivo, que sabe de tudo. Pergunta pra ele.
19h07 todos em silêncio por uns instantes.
- Gusta, me ajuda aqui com os briefings de Reforma Política. Vamos salvar a República, haha!
De 19h07 até 19h52 analisou o sistema político brasileiro e as propostas de PECs e Leis que buscavam alterá-lo.
19h57. Bateu o ponto.
20h03. Pegou a bicicleta para ir para a rodoviária.
20h44. Chegou em casa e deu um beijo na mãe.
20h49. Sentou-se na sala de casa, vendo o pai assistir ao Jornal Nacional.
20h52. Foi para o quarto, ligou o notebook e entrou no Facebook.
21h42. Whatsapp: as pessoas informaram que iriam jantar juntas.
22h14. Começou a ver House of Cards no Netflix.
22h23. Pausou o seriado e trocou para Friends.
23h42. Adormeceu.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

No ponto de ônibus

 
 
hoje tive consulta médica. Minha mãe estava usando o carro, então fui de ônibus.
Cheguei na parada e me sentei. tinha uma mulher lá também. Passaram, sem brincadeira, 4 zebrinhas com o mesmo destino (sudoeste, esplanada) em menos de 10 minutos.
e nenhum w3! Fico puto com isso.
por acaso, olhei pro lado e vi uma mão segurando no ponto de ônibus. e logo após essa mão veio um senhor, com os beiços inchados.
ele me cumprimentou com um aceno de cabeça e veio pra debaixo do ponto, se protegendo do sol.
eu me afastei e ele pôde sentar-se ao meu lado
eu abracei minha mochila e fiquei olhando pro local de onde viria o ônibus.
daí senti uma cutucada
era ele, me perguntando algo que eu nao compreendi.
pedi pra ele repetir e ele disse
"qual a primeira coisa que você faz quando acorda?"
eu pensei por uns 2 segundos e disse: abro os olhos?
ele: isso msm. tem gente que diz que vai ao banheiro ou que escova dentes,
Mas como? de olhos fechados é que nao é!
ele seguiu
qual a parte da mulher que cheira a bacalhau?
e eu: o nariz!
ele: boa! Tem gente que pensa coisa impura nessa! mas você tá certo. É o nariz
E continuou: se você tá dirigindo um ônibus, sobrem 30, descem 14, Qual o nome do motorista?
eu sabia essa. Mas pedi pra ele repetir.
ele repetiu, acentuando o VOCÊ
e eu fingi que pensava... pedi pra ele repetir de novo
ele novamente acentuou o você
daí eu fiz que descobria! Mas sou eu, uai!
ele sorriu, com os lábios inchados.
e engatou em outra: tem três ilhas. Em cada ilha três palmeiras. Cada palmeira 7 cocos. Quantos cocos têm?
eu sabia que palmeira nao dava coco, mas respondi
ah! odeio fazer conta de cabeça! só pegar uma calculadora e multiplicar
e ele, triunfante: palmeira não dá coco!
nao tem nenhum!
e logo depois me perguntou: qual a primeira coisa que você faz ao acordar?
daí eu olhei pra moça ao meu lado
ela sorriu um sorriso quieto. triste.
e ele: me diz! presta atençao. qual a primeira coisa que você faz ao acordar?
eu respondi: escovo os dentes

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Excellency




- Yes.
- Hello... Uh... Good morning...
- ...
- ...
- May I help you?!
- I am sorry, I would like to speak to His Excellency, Justice Brito Couto.
- This is him. What is this about?
- I apologize, Sir, I am from the Student's Union of the Law School... From the University of Brasilia... We are organizing a Conference about Constitutional Law and...
- Is this an invitation? Would you please tell me when is this event?
- Oh, sorry, we are still not sure, but it could be in March.
- How come you are not sure?
- It is just that, we are willing to adequate ourselves to fit our speakers' needs.
- I understand... And what is this Conference about?
- Fiscal Law at the Supreme Court. We... We'd like to discuss your legacy at the Jurisprudence of the Court...
- I see... My young man, I have a relationship of profound admiration towards the University of Brasilia. But I will have to take a look at this invitation with care. Please send me the program, would you? With all the dates, time, other guests... And I will give you an answer as soon as possible.
- This will be great, Your Excellency. What is your e-mail?
- No, I do not work with that. Please have it delivered here at my place.
- I'm sorry?
- Send it to my home. I am retired now, so I do not have an office anymore.
- What do you mean? By post?
- I don't care how! Look, you will make me a proper invitation on a nice sheet of paper. Then you will put it in a nice envelope and have it delivered here! At my house! I do not care if you use the post, an office boy or if you deliver it yourself...
- Yes. I am sorry.
- Young people these days... Frankly...
- I am sorry, Sir. Could you give me your address?
- Oh, yes... Only a minute, please. Martha! What is our address again?
- ...
- Just write it down... SQS 312... Martha! What is it? Could you tell me our address? Martha! Would you wait for just a second? My wife is not around... Martha! And the Court does not provide us with any staff... It is unbelievable! When you are working you are so important... So requested all the time! Martha! But then you retire and you become no one! The Court does not provide us any driver or secretary or even a car! Nothing! Martha! Wait for just a second, I will be right back.
- No worries. I wait here...
(...)
- Here it is: SQS 212! Please note that it wasn't 312, but 212... Building V, apartment 402. Maybe you need the Zip code also? Write it down 77049-003.
- ...003. Done, Your Excellency! Look, I am very grateful for your attention and patience. We will work on the best program and send you properly. Then we will wait anxiously for your answer.
- Alright, I thank you too.
- Thank you, Sir. Have a great day!
- You too, young man.

His Excellency hang up the phone and looked around. His home was back to its usual silence. He walked back to his living room and sat at the sofa. Turned on the TV and started watching a morning show about health style eating. He looked carefully around, just to make sure he was not being watched... "Martha..." Nothing. So he put his hand inside the inner pocket of his sweater and took one of the chocolates he had smuggled earlier, against the diet his Doctor had prescribed. And he ate it while watching a young lady teaching how to bake the best diet chocolate cake in the world.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Excelência





- Sim.
- Alô... Er... Bom dia
- ...
- ...
- Pois não?!
- Desculpe, eu gostaria de falar com o Excelentíssimo Senhor Ministro Brito Couto.
- É ele quem fala. Do que se trata?
- Desculpe, senhor, sou do centro estudantil da Faculdade de Direito da UnB e estamos organizando uma Conferência sobre Direito Constitucional e...
- É convite? O senhor pode me informar pra quando é?
- Ainda não temos certeza mas será em março.
- Mas como assim não tem certeza?
- É que queremos nos adequar as possibilidades dos convidados.
- Entendo... E sobre o que é a conferencia?
- Sobre Direito Tributário na Jurisprudência da Suprema Corte. Gostaríamos de discutir sua importância nos julgamentos e como o Vossa Excelência enxerga a influência do seu legado nos dias de hoje...
- Veja bem. Eu tenho uma relação de profunda admiração com a Universidade de Brasília. Envie-me a programação com os horários e eu lhe dou resposta assim que puder.
- Tudo bem,  Excelência. Qual o seu e-mail?
- Não, eu não trabalho com isso. Envie pra minha casa.
- Como?
- Envie pra casa, senhor.
- Por correio?
- Não me importa como! Olhe, o senhor pega um papel escreva um convite adequado, com os detalhes e coloque em um envelope e entregue em minha casa! Por correio, Office Boy ou o senhor pode mesmo vir aqui entregar os detalhes. A mim pouco importa como...
- Ah sim. Desculpe.
- Vocês jovens de hoje... Francamente...
- Desculpe. O senhor poderia me dar o seu endereço?
- Um minuto só... Marta! Qual o nosso endereço?
- ...
- Vai anotando aí... SQS 312... Marta! Qual o endereço daqui? Um minutinho, sim? Minha esposa não está por perto. Marta! E o Tribunal não nos dá nenhum assessor. Quando trabalhamos somos tão requisitados! Todos em nossa volta. Marta! Mas depois a gente se aposenta e fica esquecido. Sem motorista, sem secretária, nada. Mar... Um minutinho, que eu já volto.
- Sem problemas, eu aguardo...
(...)
- Aqui está: SQS 212! Veja que não era 312, mas 212... Bloco V, apartamento 402. O CEP também é importante. Anote aí 77049-003.
- ...003. Anotado, Excelência. Olha, muito obrigado pela atenção e paciência. Faremos o convite propriamente e aguardaremos ansiosos pela sua resposta.
- Sim, eu agradeço.
- Obrigado o senhor, Excelência. Tenha um bom dia!
- O senhor também. Passar bem.

Desligou o telefone e olhou em volta. A casa retornava ao silêncio. Voltou para a sala e se acomodou em seu sofá. Continuou assistindo o programa matinal que ensinava receitas e dicas de saúde. Olhou novamente em sua volta para conferir se estava sozinho. "Marta!" Nada... Pegou um dos chocolates Bis que guardava escondidos no bolso de sua jaqueta, e comeu, enquanto escutava a receita de um novo bolo de chocolate.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O que não disse





Depois de um tempo aqui no Brasil, a vida finalmente encontrou seu ritmo. Acordo num determinado horário. Como, almoço, faço o lanche da tarde... Passeio com o cachorro, vejo amigos e deito em frente à televisão. Durmo. As coisas se repetem num ritmo que me embala e me faz sentir-me em casa.
Além de a vida ter encontrado seu ritmo, eu também encontrei muitas coisas por aqui. Encontrei inúmeros cadernos de 10 anos atrás que eu guardava. Estavam lá, parados, do lado de um bolo de notas fiscais de 7 anos atrás. Ambos esperando, sem sentido. Encontrei cartinhas de possíveis namoradinhas da quinta, sexta, sétima série. Todas casadas hoje. Encontrei documentos de estágio, documentos de vestibular, documentos de nem-sei-o-que. Acho que revirei tanta coisa, que reencontrei até minhas alergias, há muito esquecidas. Mesmo entre um espirro e outro, eu gosto de rever coisas antigas. Algumas se revelam inúteis e vão pro lixo. Outras a gente decide esperar mais cinco anos antes de jogar fora. E outras ficam. Guardadas.
Mas eu não fiquei só encontrando boletos bancários de curso de francês de 2007 não. Nesses dias tenho reencontrado muita gente. Muitos amigos. E quer saber? A vantagem é que as amizades não ficam esquecidas em uma gaveta, paralisadas, acumulando poeira. Cada um dos amigos que revi continuou sua vida, com novas conquistas e desafios, novos cabelos e novas barbas. Fiquei feliz de me reencontrar com eles. De ver que continuavam aqui, despoeirados.

- Oi, Gu! Que bom te ver!
- Thereza! Que gostoso te ver também! Como você está?
- Ai, Gu, tá ótimo, casa nova, casamento...

- Micheli!!! Você está igualzinha!
- Que saudades, Gu! Toma pra você, uma lembrancinha!
- Não precisava, Mi! Obrigado!

- Ai, Paulinha, nossa cara vir pra livraria cultura, né?
- Gu, os vendedores daqui me conhecem pelo nome! Eu e o Rodrigo estamos aqui todo fim-de-semana.

- Gustavo Carneiro! Como assim você não me ligou ainda? Se esqueceu de mim?
- Desculpa, Leo! Nunca me esqueceria de você! Me conte de sua vida! To com saudades...

- Maria. Minha amada Maria. Que saudades que estava de você!
- Guts! Me dá um abraço! - Não dona Mimi! Não foge não.

E a conversa vai pra assuntos leves e novos. A casa nova, o casamento, a festa, o bolo.
A família. O pai que a acompanhou ao casamento. O concurso que vai chamar. A viagem a Recife. A viagem ao Japão. A gravidez. As lembranças de Berlim. Minha vida em Berlim. Berlim. Brasília. Bolha imobiliária. Berlim. Seriedade dos alemães. Brasil. Imagina na Copa?  Facebook. Valesca Popozuda. Convite pra jantar. Risoto. Acarajé. Brownies. 

Conversas. Tão previsíveis e imprevisíveis como elas sempre são. Mas teve algumas coisas que não consegui falar pra Thereza, Leo, Maria... É que existem alguns acontecimentos pequenos que transformam o nosso dia a dia. Que nos fazem sentir como parte de um lugar. Que se apresentam a nós e nos conquistam, mas continuam seu caminho, sem parar pra nos dar mais encantamento. Compartilho, então, o que não disse.


Passei natal em uma pequena vila de 600 habitantes, perto de Bonn. Enquanto passeava, pude ver cabeças nas janelas me analisando. Na semana do Natal a única loja da cidade estava fechada. Não pude comprar nada de comida pra colaborar na casa da minha anfitriã, o que me deixou um pouco constrangido. Mas fui acolhido numa autêntica ceia de Natal alemã. Dei um Mickey de presente pros sobrinhos dela, que não deram a mínima. Só queriam ler os livros que o avô tinha dado.


Em janeiro voltei de Barcelona para uma Berlim bem escura e fria. Um dia, ao ir pra escola, peguei meu primeiro engarrafamento em terras alemãs. Estava em um ônibus lotado. Desses que não deixariam nenhum ônibus brasileiro com vergonha em termos de passageiros por metro quadrado. Enquanto esperava 10, 20, 30 minutos, comecei a me sentir sufocado. Estava sufocado não pelo pouco espaço que eu tinha pra me mover ou pelo ar viciado partilhado por tanta gente. O que me sufocou foi o silêncio denso que fazia naquele ônibus. Eu senti vontade de gritar, pois não é natural que 60 pessoas permaneçam 30 minutos em silêncio daquele jeito.



No verão trabalhei na Allversity, uma companhia de internet iniciante aqui de Berlim. A inauguração do nosso site foi feito a poucos quarteirões da minha casa. Me vesti e fui pra lá a pé. Ah, sim, é importante dizer que a festa aconteceu na semana mais quente que vivi em Berlim. Já tinha uns 4 ou 5 dias que a cidade estava abafada. Ninguém estava aguentando fazer nada. Pois bem. Depois de umas 5 horas de festa, começou a chover. Chuva forte, com gotas grossas. O instinto natural de todos que estavam na rua foi entrar na casa, para se proteger da chuva. Mas em poucos minutos os convidados da festa conseguiram ver que dentre as gotas pesadas havia um grupo de pessoas leves, dançando e cantando, como se fossem criança. Eu era um deles.


Por volta de Abril, o sol saiu e todos começaram a aproveitá-lo. Um dia aproveitei e fui estudar no parque que tem perto de casa. Cheguei e estendi minha toalha. Peguei meu texto e comecei a ler. Ao fundo escutava uma criança rindo, brincando com o pai. Perto de mim via um adolescente jogando frisbee pro cachorro. Foi gostoso estar ao ar livre. Mas o melhor foi que, deitadinho no chão, consegui olhar rente à grama e ver que haviam várias flores no campo, dessas que parecem erva daninha, sabe? Eram rasteirinhas e com pétalas brancas e curtas. Pois bem, junto dessas flores tinha, no parque todo, inúmeras abelhas trabalhando em minha volta. Cada uma prestando atenção no seu pólen. Percebi que tinha um mundo inteirinho acontecendo à minha volta. E eu voltei a ler meus textos.