terça-feira, 16 de abril de 2013

Sobre amizades e reclamações



 Berlim, 22 de Agosto de 2012

Querido diário,

E não é que a gente acha que as coisas são mais simples do que realmente são? Cheguei aqui pensando que meu mundo se abriria pra novidades com certeza. A comida, a pontualidade, a língua. Tudo isso era previsto. Mas tenho conhecido algumas coisas inesperadas.  Elas se apresentam despretensiosamente numa viagem de trem que faço nas terças à tarde. Enquanto nada especial acontece, de repente chega uma novidade e se senta ao meu lado. E na falta de companhia melhor acabo dando atenção. E foi assim que descobri o silêncio. Em nenhuma realidade paralela eu conseguiria imaginar o silêncio gratuito que temos aqui na Alemanha. Acho que é o sonho de qualquer professor primário, que tem que controlar uma turma de crianças chorando, gritando, puxando os cabelos... Imagine o que é estar numa estação de trem com umas quarenta pessoas e elas estarem todas em silêncio? A maioria está com um livro ou escutando música. Mas mesmo as que não tem como passar tempo também ficam em silêncio. Sem assovios ou celulares. Os que conversam com o colega falam num tom inaudível.  Ou seja, à distância, só fica o silêncio. Mas como tudo na vida vem em pares, como o sal e o doce, o bem e o mal, a Globo e o SBT, o silêncio também anda ao lado do seu contraponto: os alemães de origem turca.
Essa semana fui me cadastrar na prefeitura do bairro. Sim, porque os alemães são tão organizados que todos os cidadãos da cidade estão cadastrados e informam seu endereço à sua respectiva prefeitura. Fiquei numa sala de espera com cerca de oitenta pessoas. Estava um calor gigantesco, como nunca vi fazer no Brasil. Aí a gente fica com calor, sim, mas reclama. Olha pro vizinho e fala que está quente e se abana e pede pra abrir a porta. E reclamar alivia o calo. Com certeza! Já aqui, temos que aguentar o calor estático, sem vento algum. Isso dentro dos prédios feitos para aguentar frios de vinte graus negativos, sem janelas apropriadas para os trinta e cinco que estavam fazendo. E o pior é que ninguém reclama. Nem ao menos se abana. Todos sentam-se resignados, esperando seu número. E o silêncio reinava absoluto quando tocou um celular barulhento. A alemã ao meu lado, loiríssima, acho que tinha cara de Berta, não gostou nada daquilo. Berta olhou com uma cara de reprovação. O som veio de uma moça turca,  que sequer tomou conhecimento do desconforto que seu toque trazia ao nosso grupo de oitenta resignados cidadãos do bairro de Moabit. Ela vasculhava sua bolsa, enquanto a música de Bollywood evoluía. Cheguei a sentir vontade de ensaiar um bater de pés, mas fiquei com medo da reação de Berta. Finalmente a moça de sobrancelhas grossas encontrou seu celular. Atendeu e começou a conversar na maior altura possível numa língua ininteligível (não que eu entenda alemão, mas consigo reconhecê-lo com seus auf’s e ne’s).  E nesse momento o inesperado aconteceu: Berta olhou pra mim e faz uma cara de reprovação para o barulho que a turca estava fazendo. Chegou a trazer um leve sorriso nos lábios. Eu, claro, retribuí com um olhar de desapontamento. Expressei naquele olhar todo o indignamento que eu conseguia sentir pela pobre moça das sobrancelhas grossas. Afinal, quem era ela pra pensar que tinha o direito de fazer barulho num ambiente público? Nesse instante, senti que eu e Berta finalmente estabelecemos uma conexão. Pensei por alguns segundos se deveria puxar papo, falando “Tá quente hoje, né?”. Mas recuei. Melhor um pássaro na mão do que dois voando.

Um beijo,

Gustavofsc

Nenhum comentário: