Querido diário,
E não é que a gente acha que as coisas são mais simples do
que realmente são? Cheguei aqui pensando que meu mundo se abriria pra novidades
com certeza. A comida, a pontualidade, a língua. Tudo isso era previsto. Mas
tenho conhecido algumas coisas inesperadas.
Elas se apresentam despretensiosamente numa viagem de trem que faço nas
terças à tarde. Enquanto nada especial acontece, de repente chega uma novidade
e se senta ao meu lado. E na falta de companhia melhor acabo dando atenção. E
foi assim que descobri o silêncio. Em nenhuma realidade paralela eu conseguiria
imaginar o silêncio gratuito que temos aqui na Alemanha. Acho que é o sonho de
qualquer professor primário, que tem que controlar uma turma de crianças
chorando, gritando, puxando os cabelos... Imagine o
que é estar numa estação de trem com umas quarenta pessoas e elas estarem todas
em silêncio? A maioria está com um livro ou escutando música. Mas mesmo as que
não tem como passar tempo também ficam em silêncio. Sem assovios ou celulares.
Os que conversam com o colega falam num tom inaudível. Ou
seja, à distância, só fica o silêncio. Mas
como tudo na vida vem em pares, como o sal e o doce, o bem e o mal, a
Globo e o SBT, o silêncio também anda ao lado do seu contraponto: os alemães de origem turca.
Essa semana fui me cadastrar na prefeitura do bairro. Sim,
porque os alemães são tão organizados que todos os cidadãos da cidade estão
cadastrados e informam seu endereço à sua respectiva prefeitura. Fiquei numa sala de espera
com cerca de oitenta pessoas. Estava um calor gigantesco, como nunca vi fazer no
Brasil. Aí a gente fica com calor, sim, mas reclama. Olha pro vizinho e fala que
está quente e se abana e pede pra abrir a porta. E reclamar alivia o calo. Com certeza! Já aqui, temos que aguentar o
calor estático, sem vento algum. Isso dentro dos prédios feitos para aguentar frios
de vinte graus negativos, sem janelas apropriadas para os trinta e cinco que
estavam fazendo. E o pior é que ninguém reclama. Nem ao menos se abana. Todos
sentam-se resignados, esperando seu número. E o silêncio reinava absoluto
quando tocou um celular barulhento. A alemã ao meu lado, loiríssima, acho que
tinha cara de Berta, não gostou nada daquilo. Berta olhou com uma cara de reprovação. O som veio de uma
moça turca, que sequer tomou conhecimento do
desconforto que seu toque trazia ao nosso grupo de oitenta resignados cidadãos do
bairro de Moabit. Ela vasculhava sua bolsa, enquanto a música de Bollywood
evoluía. Cheguei a sentir vontade de ensaiar um bater de pés, mas fiquei com medo
da reação de Berta. Finalmente a moça de sobrancelhas grossas encontrou seu
celular. Atendeu e começou a conversar na maior altura possível numa
língua ininteligível (não que eu entenda alemão, mas consigo reconhecê-lo com
seus auf’s e ne’s). E nesse momento o
inesperado aconteceu: Berta olhou pra mim e faz uma cara de reprovação para o
barulho que a turca estava fazendo. Chegou a trazer um leve sorriso nos
lábios. Eu, claro, retribuí com um olhar de desapontamento. Expressei naquele olhar
todo o indignamento que eu conseguia sentir pela pobre moça das sobrancelhas
grossas. Afinal, quem era ela pra pensar que tinha o direito de fazer barulho
num ambiente público? Nesse instante, senti que eu e Berta finalmente estabelecemos uma
conexão. Pensei por alguns segundos se deveria puxar papo, falando “Tá quente
hoje, né?”. Mas recuei. Melhor um pássaro na mão do que dois voando.
Um beijo,
Um beijo,
Gustavofsc
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